Eu fui baptizado Católico, mas nunca frequentei a Igreja. Os meus pais, sendo Católicos, nunca me colocaram em escolas religiosas, ou fizeram que tivesse contacto com essa religião - e daí nunca ter feito o Catecismo, Comunhão ou Crisma. O meu contacto com a Igreja Católica, e portanto com o Cristianismo, foi sempre de uma perspectiva externa, e parece-me que não saí a perder. Tentando explicar agora aquilo que já sentia na altura, torna-se evidente que o facto de a liturgia católica estar bastante despida de espiritualidade, e a própria instituição que é a Igreja Católica estar bastante podre, me afastava do Cristianismo.
Apesar de os meus estudos não serem na área das STEM - fiquei-me pelos parentes pobres, Economia e Filosofia -, a verdade é que isso também me permitiu desenvolver uma imagem bastante sólida, construída “de fora”, sobre como o nosso mundo funciona. Isto foi acontecendo, ao longo dos anos, através de um processo de dialéctica hegeliana: as crenças que eu tinha eram expostas ao seu contrário; e se às vezes as minhas crenças prévias saíam fortalecidas, também é verdade que muitas foram substituídas e actualizadas. Assim se deve comportar a pessoa racional, afinal de contas. O que pode parecer estranho é que a minha conversão para junto de Cristo é parte desse processo. A conclusão de que um entendimento Cristão do mundo é precisamente a Resposta é o que é natural acontecer.
É inegável que o presente tem mais conhecimento sobre como o mundo material funciona. A superioridade técnica do presente sobre o passado é inegável. Mas um estudo sério sobre a ciência revela-nos que isto é mais acidente do que propriamente o resultado deliberado da aplicação sistemática de um princípio. E como se isso não fosse bastante, a imagem que é pintada sobre o mundo pela ciência é meramente uma imagem material.
Há duas grandes falácias no entendimento do mundo moderno: a primeira, é que só existe uma realidade material; a segunda é que, mesmo que isso não seja verdade, o facto de agora termos mais conhecimento correcto sobre o mundo material faz com que o nosso entendimento sobre as restantes esferas da realidade (sejam elas quais forem) serão mais correctas do que o das pessoas que nos antecederam. Se o passado estava errado no técnico, então é bastante provável que também estivesse errado sobre o resto.
Ambas essas premissas são falsas, e isto tem de ser dito de forma extremamente clara. Por um lado, é falso que o material esgote a realidade - a verdade é que o material é a mais baixa das realidades, e o seu lugar é a de submissão perante os outros patamares. Só percebendo isto é que realmente se pode chegar à verdade sobre o mundo moderno. Por outro lado, é também errado pensar que os antigos saberiam menos sobre o mundo, na sua plenitude, do que os modernos. E, curiosamente, a prova é empírica: basta ler a vida dos Santos, e as palavras que eles nos deixaram, para encontrar lá uma fonte de verdadeira sabedoria, onde podemos conhecer com os princípios que regem o mundo, e de qual a resposta a dar-lhe.
É verdade que a ciência nos deu grandes avanços técnicos, mas ela não pode responder às questões primeiras da nossa vida. É verdade que as economias de ocidente foram capazes de dar condições de vida materiais nunca antes sonhadas a um número cada vez maior de pessoas, mas a isso veio ao custo da destruição da restante Criação, bem como da nossa alma. Não nos enganemos: esta relação inversa entre o enriquecimento técnico e material, e o empobrecimento espiritual é algo causal, que as Escrituras falam claramente e os Pais da Igreja percebiam e expuseram de forma transparente nas suas palavras e nas suas acções. Algo que vemos de forma transversal na vida dos Santos é o reconhecimento de que o material tem uma função clara, e de que deve ser submetido a princípios que o transcendem; por isso é que sempre que se viam com mais algum dinheiro para além do que era estritamente necessário para a sua sobrevivência física, o punham ao serviço de Deus, através de actos de Caridade, ou de providenciar crescimento espiritual às populações (e.g., construção de igrejas, recuperação de mosteiros, (re)produção de ícones).
E se sabemos que o ideal monástico não é algo que pode ser pedido a todas as pessoas, a aplicação honesta e contextual dos mesmos princípios na nossa vida é a resposta. E é a resposta não só ao nosso mundo, mas como a todos os mundos que já existiram e possam vir a existir. Simplesmente é a nossa resposta, iluminada pelos princípios eternos da Resposta. Por isso é que esta imagem que o Ilo usa no seu último post é extremamente presciente:
Da mesma forma, a ‘caverna de Platão’ é perfeitamente realizada e óbvia na nossa era: o caminho para fora da caverna está, pela primeira vez, completamente desobstruído e à vista, quase toda a sabedoria do mundo que pode ser acedida individualmente existe à disposição de quem a quer, requerendo depois apenas estudo e persistência, mas a maioria continua a preferir as sombras à luz – e por muito que lhe sublinhem a diferença, continua a confundir as duas como se fossem a mesma coisa.
Ver imagens em alta definição, numa televisão com excelente resolução e construção de “ponta” é, hoje em dia, uma experiência surreal. Por um lado, é realmente como se víssemos algo com os nossos próprios olhos, porque é praticamente a mesma experiência material - os raios de luz que atingem a nossa retina quer estejamos a ver a “imagem real” ou a sua imagem numa televisão serão praticamente os mesmos. No entanto, a experiência é substancialmente diferente, e nós sentimos isso porque não conseguimos ignorar a diferença qualitativa - a essência está completamente ausente. Tal é surreal por causa da dissonância cognitiva provocada pelo confronto entre estarmos a ver algo, mas sabermos que não estamos realmente a vê-lo - apenas sentimos uma representação da realidade.
O facto de termos hoje mais conhecimento técnico sobre o mundo não significa que estejamos mais cientes da sua essência. Os princípios que o regem continuam a ser os mesmos, mas a forma como nos relacionamos com o mundo mudou radicalmente, e permitimos que isso nos iludisse. O mapa não é o território, e tendo em conta a performance do mapa mental que temos hoje dia, às vezes somos levados a crer que seria melhor não ter mapa nenhum. Isto é, até termos chegado à Palavra.
E é precisamente a Palavra que nos permite quebrar este feitiço. A constatação de que hoje, também graças à técnica, temos acesso quase ilimitado e instantâneo à sabedoria da verdadeira Tradição Cristã é algo que nos deve encher de felicidade, e devíamos dar Graças por isto acontecer; mas também temos de perceber a responsabilidade que isso impõe sobre nós. É o nosso dever levantarmo-nos e sair da cave. O que fazemos depois, depende dos talentos que nos foram dados, das nossas condições, e acima de tudo da nossa vontade de participar na Sua Graça.