Há um dias saiu no Jornal I uma entrevista ao secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), Luís Mira. A entrevista parece feita de propósito para ser falada neste blog; o subtítulo, sem falha, faz referência aos três grandes temas do Assilvestrar:
Para o secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), muitos dos problemas que o setor enfrenta não são reais ou científicos, mas ideológicos e até religiosos.
A entrevista é um pouco longa, e não diria que valha a pena ser lida na sua íntegra porque não tem muito sumo — Luís Mira parece genuinamente mais preocupado em fazer politiquice do que propriamente em avançar uma solução para o sector. Mas o sumo que tem, vale a pena ser bem espremido, pois é bastante claro em certos pontos que nos parecem ser essenciais.
Quando digo que não é possível vislumbrar uma solução para a agricultura por entre as palavras de Luís Mira, estou a ser talvez um pouco injusto. Afinal de contas, há na entrevista vários exemplos de como o sector poderá avançar: desde pessoas que ficaram desempregados porque não sabem usar um smartphone ("Mas veja a poupança que isso dá em termos de custos."), ao 5G que tem de estar presente em toda a ruralidade para que as explorações possam dar um grande salto em frente, a grandes máquinas de adubar que conseguem calcular no momento as necessidades exactas de adubação, a óculos de realidade aumentada que nos vão dizer quais as doenças de que padecem as árvores.
Os amanhãs que cantam na Agricultura Portuguesa são os das grandes alfaias, acopuladas a grandes tractores, em grandes explorações de monocultura, todas elas munidas de sensores e rádios para poderem comunicar entre si. Na verdade, esta visão já não é de agora, mas já assim é há muito tempo; simplesmente, vai agora na versão mais actualizada, onde inclui o 5G, LoRa, AR e AI. Longe vão os tempos em que ter um simples programador de rega era considerado como o fim da história para muita gente.
O título deste postal não foi escolhido ao acaso, e os mais atentos entre os nossos leitores já sabem onde esta história vai parar. Há de facto uma Diabolização da Agricultura em curso, mas não tem nada a ver com os partidos ou o jogo partidário. A Diabolização da Agricultura tem só a ver com o modo moderno de pensar, onde reduzimos tudo ao nível material: a agricultura é um simples “sistema para optimizar”, onde os problemas são de ordem técnica, e por sua ordem resolvidos com recurso à técnica e tecnologia humana. Reparem neste curto trecho da entrevista:
Vamos assistir a uma verdadeira revolução?
Exatamente. Vou poder, por exemplo, determinar a condutibilidade elétrica de um campo, o que é fundamental para a absorção dos nutrientes das plantas e, com isso, consigo gerir o adubo que lá vou pôr de uma forma como nunca consegui
Na visão de Luís Mira, as plantas são meras máquinas de produzir. Se ele conseguir afinar a máquina ao ponto certo, gerindo os adubos com que alimenta essa máquina, então garantiu que os nutrientes são absorvidos e a produção aumenta. O sonho eficientista levado ao seu êxtase: não só se poupou adubo, como se retirou mais produção. Como não gostar? Certamente que querer recusar estes avanços como Bons só pode querer significar a morte à fome de muitas pessoas. Afinal de contas, “[a] única forma de alimentar estas pessoas é termos uma agricultura baseada em conhecimento cientifico e em tecnologia que consiga produzir mais na mesma área.”
A agricultura é indissociável da espécie humana na versão sedentária. A razão é fácil de entender: a pessoa nómada apesar de apenas explorar a natureza, tirando dela algo sem nada lá colocar, percebe que a única maneira sustentável de o fazer é não ficando no mesmo sítio durante muito tempo. Nessa modalidade, a Natureza precisa de tempo para recuperar e poder voltar a suportar os outros filhos da Criação. Querendo colocar raízes num lugar obriga a que se toma conta dela — colaborar com ela, fazendo-lhe o Bem e ela fazendo Bem a nós. Esta faceta da sociedade moderna, querendo as vantagens óbvias associadas ao estilo de vida sedentário e não querendo cumprir com nenhuma das obrigações a ela inerente, deixa transparecer de forma transparente a doença que assola o nosso espírito.
Viver sem fazer agricultura, e fazer agricultura sem as pessoas que nessa terra vivam, é a inversão completa da ordem Natural. Um verdadeiro mundo de pernas para o ar. E é essa a visão que nos oferece a revolução a que vamos assistir. Vai ser dos Diabos.